"Refugiados...!"
Acordei um dia no sonho errado, sem querer. Estava noutro sítio. No quarto de outra menina, que não tinha vista para as árvores, que não deixava o sol entrar. Estava escuro. Era um quarto sem janela.
Abriram a porta. Entrou outro alguém, que não era uma menina. Talvez fosse a sua mãe. Estava assustada e parecia querer fugir. Eu não sabia sequer onde estava, quanto mais do que iria fugir a seguir. Mas fugi.
Sempre assustada e perdida. De mim. Do mundo. Da vida. Um dia chegámos, sem ser mais preciso fugir. Fugíamos do terror, pelo que percebi. De guerras. Da vida que nos tinha calhado sem termos culpa.
Tínhamos chegado à nossa nova vida. Eu ainda era a menina do quarto. Ainda no sonho errado. Tínhamos uma casa diferente, agora; tinha um quarto com janela.
Pela janela, eu, que era a menina do quarto, vi o mundo. Doido. Mas vi. Estava um pouco mais encontrada, na vida dela; assim como a mãe que a trazia consigo – que me trazia a mim agora, portanto. Nessa nova casa em que vi o mundo doido, partilhávamos o mesmo quarto. Ela dizia que nos chamavam refugiados e que nos podiam olhar de lado, mas para não me preocupar. Eu, que era uma menina perdida, que só queria viver, fiz como ela disse e vivi.
Quando acordei, já não era mais essa menina. Estava no meu quarto, com vista para as árvores. E vivi: como todos os dias. Mas encontrei-a novamente, quando já era mais crescida e menos perdida, quando tudo fez sentido.
Entendi porque fugimos nesse dia. Porque fugiam, ela e a sua mãe. Queria pedir-lhe que fugisse sempre, mas que vivesse encontrada. Só que ela não pôde. Nem a sua mãe. Porque o mundo é louco e não deixou.
Nesse dia, no sonho em que não era eu, não sei para onde fugimos, mas hoje, vendo este mundo doido, sei que não vou descobrir. A fuga delas já acabou. A delas e a de tantos outros. Inocentes. Viventes. Que só queriam ser felizes. Fugidos de loucos, que como outros outrora, querem hoje ser donos do mundo. Que é livre e grande e que nunca terá de fugir, como nós, por mais que o queiram dominar.
Autoria de: Sara Fialho
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